A SABOTAGEM DO PELICANO

Por que detesto pelicanos? Não os suporto, mesmo sem nunca ter visto um. Trata-se de mais um trauma de infância, daqueles que jamais se apagam. Recordo que aos 12 anos ia para a Escola Liberato, com aquela calça azul-marinho tenebrosa, em que cabiam dois de mim, e a camisa insuportavelmente branca, com óbvio logotipo da escola.

Que horror. Sempre abominei fardas, uniformes e qualquer tentativa de enquadramento!

Numa semana de novembro, como todos os alunos pobres e discriminados, comi o pão que o diabo amassou nas mãos da impiedosa professora, que morava no centro e que mais parecia um general na sala de aula.

Sem escrúpulos, me insultava diante da turma porque minha camisa era um xergão imundo embaixo do sovaco. Levei dias ouvindo ameaças, caso não lavasse a maldita camisa. E isso era feito com esmero por minha mãe, que a deixava branquinha, branquinha.

Porém, o esforço era inútil, pois chegava à escola e a imundice estava lá, embaixo do sovaco. A megera vinha com tudo e aproveitava para descarregar em mim seu ódio homofóbico.

Precisei de uma semana para descobrir a causa da sujeira. Como explicar que minha camisa saía alva de casa e chegava imunda na escola? Era a tinta do saco plástico de arroz, no qual coloca livros e cadernos.

A embalagem tinha um pelicano colorido, mais refestelado  que eu, que àquela altura já estava desbotado, já que o colocava sob as axilas para ir ao colégio.

Quando desvendei o caso, me senti a criança gay mais feliz da Escola Liberato. Quanto à professora, o tempo encarregou-se de comer seus neurônios verde-oliva.

E o desgraçado do pelicano, acreditem,  segue voando, pois ao contrario de mim, não precisa fechar a as asas para sonhar...

...ele que me aguarde, pois um dia também hei de voar!

 BACEDONI, Luis - V.Aires, agosto/2018.






Comentários

Postagens mais visitadas